Brasil e suas dimensões marítimas

O Brasil e a Índia representam o surgimento de países emergentes que projetam a economia para o futuro e modificam a sociedade. Ao contrário da China e do Sudeste Asiático que possuem seu progresso ancorado na manufatura global. Parte do desempenho da economia brasileira sustenta-se na mineração e na agricultura, além da recente disponibilidade de petróleo. Os governos progressistas permitiram mudanças econômicas e sociais no país, no entanto, a trajetória dissipou-se em uma dupla crise: econômica, com a queda no preço das matérias-primas e uma política, com escândalos de corrupção e destituição presidencial. Entretanto, a situação econômica está melhorando e a democracia brasileira elegeu um novo presidente. Ao começar o mandato do liberal Jair Bolsonaro, ofereceremos uma visão geral das atividades relacionadas ao mar do gigante sul-americano: comércio internacional, portos, transporte marítimo, offshore.

Uma terra de matéria-prima 

As principais riquezas do País se concentram em suas zonas tropicais e subtropicais com culturas tradicionais (café, açúcar, frutas). A silvicultura, antes comercializadora de madeira, agora mais industrializada, exporta celulose. As grandes plantações são monopolizadas por soja e milho. Parte da produção, destina-se a alimentar o rebanho de gado, o que cria mais valor agregado à exportação do que os grãos. A agricultura fornece uma base de exportação colossal, incluindo portos dedicados a abastecer outros continentes. O país é o maior exportador de suco de laranja (1,4 Mt em 2017, 72% do mercado mundial), café (2 Mt, 25%), açúcar (29 Mt, 45%). Também possui forte representatividade no mercado internacional, a carne bovina (2 Mt, 20%) e o frango (3,8 Mt, 35%). A celulose de eucalipto é responsável por 10 Mt por ano. Em 2017, as exportações de soja alcançaram 67 Mt, cinco vezes mais do que em 2008 (54 Mt somente para a China). O Brasil responde por um terço da produção mundial e metade do mercado global de soja. O milho contabilizou o montante de 40 Mt exportadas. As duas sementes transitam 70% pelos portos do Sudeste e do Sul.

A outra grande riqueza do Brasil é um subsolo muito rico. O país exporta significativas quantidades de minério de ferro, extraído em grande parte pelo grupo minerador Vale. Em 2018, as exportações de ferro brasileiro estavam em torno de 390 Mt (90% produção1) com um ganho de 30 Mt nos últimos cinco anos. Três quartos das exportações brasileiras têm como destino os portos da Ásia Pacífico, destes, 60% somente para a China. Os principais portos de exportação são Ponta da Madeira (168,4 Mt), Tubarão (102 Mt), Itaguai (46 Mt), Ilha Guaíba (43,5 Mt) e Porto de Açu (16,2 Mt). 

O Brasil em 2017, foi o quarto maior extrator de bauxita do mundo (37 Mt). O país transforma parte de sua bauxita em alumínio (10,5 Mt produzido, 9 Mt exportados). As exportações de minerais contam, também, com manganês (2,4 Mt), fosfato (6,8 Mt) e cobre (1,2 Mt).

A natureza geológica da costa atlântica da América do Sul oferece oportunidades para a exploração de petróleo no mar. Os campos de petróleo do pré-sal estão localizados sob uma coluna de água de 1 a 2.000m e em uma profundidade terrestre de 4 a 6.000 m. Descobertos em 2006 e operados desde 2011, estão localizados no Sudeste. Hoje, a exploração do petróleo no offshore profundo (54%) está à frente do offshore convencional (39%) e da produção no continente (7%). 

Segundo a BP2, em 2017, o país produziu 143 Mt e consumiu 139 Mt. Assim, o Brasil, com a empresa nacional Petrobras, tornou-se autossuficiente em petróleo e dobrou de tamanho nos últimos dez anos. O país exporta petróleo bruto (23 Mt, destes 13 Mt para a China) e também importa (7 Mt). Como todos os países, o comércio de produtos refinados é bidirecional (4 Mt de exportação, 21 Mt de importação). Grande parte da atividade portuária brasileira petroleira concentra-se na redistribuição local de produtos refinados e da repatriação da extração realizada nas plataformas (85 Mt). O Brasil, também, produz gás natural (24 Mt), mas a demanda interna é 9 Mt maior, o que obriga a importação por gasoduto da Bolívia e por mar (1,5 Mt). O país possui três terminais da Petrobras: Pecém (2009), Baía de Guanabara (2009) e Bahia (2014). Um novo projeto é previsto para o porto de Sergipe, a partir da joint-venture entre o Ebrasil 50% e o Golar Power 50%. 

O tráfego nacional de contêineres representou 9,3 milhões de TEUs em 2017, o dobro de uma década atrás. A conteinerização brasileira sofreu, no entanto, dois duros golpes, o primeiro com as repercussões da crise europeia em 2012 e, o segundo, com a desaceleração da economia nos últimos anos. Em termos de contêineres cheios, os dados do CTS indicam para 2017, 2,8 M de TEUs de exportação (cerca de 30 Mt) e 2,4 M de TEUs de importação (25 Mt). Em 2018, para os primeiros dez meses, as importações e exportações foram estáveis.

 O porto de Santos detém, isolado, a maior movimentação brasileira de contêineres (3,7 M de TEUs). O outro porto, com movimentação na casa de milhões de TEUs, é Itajaí (1,1 M), em razão do tráfico agrícola e florestal, como os vizinhos de Paranaguá, São Francisco do Sul e Rio Grande.

Uma indústria naval incipiente
O registro marítimo brasileiro contava em 2017 com uma centena de navios e 3,7 Mt de porte bruto (dwt), 1. O restante é consumido pela indústria nacional, 2. Empresa britânica de petróleo fundada em 1909. É a maior empresa do Reino Unido e a terceira maior empresa de petróleo do mundo.

representando um crescimento pífio nos últimos dez anos. Metade da frota (em dwt) consiste em cerca de trinta petroleiros. O restante consiste em um punhado de graneleiros e navios de carga, bem como alguns navios porta-contêineres. O controle econômico brasileiro dos navios registrados no exterior é, sobretudo, de graneleiros e petroleiros.

De fato, a frota brasileira está sob o domínio de dos dois gigantes nacionais, o grupo minerador Vale para navios graneleiros e o grupo petrolífero Petrobás (Transpetro). O primeiro foi constituído a partir de 2008 de 35 Valemax, aos quais foram adicionados 16 outros fretados. O grupo de mineração vendeu a frota sob sua propriedade devido a várias dificuldades (declínio do mercado, relutância chinesa). A Vale embarcou em um segund momento com mega navios mineraleiros (32) entre 2018 e 2019, em comum acordo com os chineses (fabricantes e operadores). 

A conteinerização nacional baseia-se em uma pequena frota da Log-In Logistica Intermodal. A Aliança foi engolida pela Hamburg Sud em 1998 e a Libra desapareceu com a CSAV em 1999. A aquisição da Hamburg Sud, pela Maersk, forçou a venda da Mercosul Line (4 navios), sua subsidiária brasileira de cabotagem em dezembro de 2017 para a empresa CMA CGM. O Grupo dinamarquês optou por manter a marca Aliança.

A indústria naval brasileira sustenta-se, exclusivamente, em encomendas nacionais nos últimos anos, principalmente petroleiros e alguns porta-contêineres. O país almejou, graças à sua nova economia petrolífera, reativar a indústria naval através de medidas protecionistas e de estimulo ao “conteúdo local”. Assim, a construção naval, que esteve ativa pela primeira vez na década de 1970, ganhou novo impulso em 2003, revitalizando os antigos estaleiros e criando novos. 
No coração do renascimento naval brasileiro existem dois programas relacionados à Petrobras. O primeiro, refere-se à encomenda de cinquenta petroleiros para dobrar a frota da Transpetro com o apoio do Fundo da Marinha Mercante (FMM). O segundo, é uma encomenda de cerca de trinta navios sonda, através da empresa Sete Brasil, responsável pela para construção e operação da frota fretada pela Petrobras. 

A crise da Petrobras (gestão e superendividamento) levou consigo os dois programas navais e, com eles, os fabricantes brasileiros e as parcerias junto aos grupos internacionais (Sembcorp, Keppel, Fincantieri). O resultado é um grande golpe na indústria naval brasileira (fechamento de 12 estaleiros, dos 82.000 postos de trabalhos que existiam no setor 44.000 foram suprimidos).
 
Políticas portuárias do Estado 

O Brasil é a maior economia da América Latina. No entanto, as políticas econômicas do país não seguem um planejamento a longo prazo. O setor público, como também, boa parte do setor privado, é reativo, ou seja, age de acordo com a conjuntura. Portanto, não há uma estratégia coerente para transformar o país, bem como continuidade nas políticas econômicas e de investimentos, fundamentais para o desenvolvimento do setor de transporte. De acordo com o World Economic Forum - WEF, o Brasil ocupa a 73ª posição dentre 137 países, quando se considera o índice de competitividade global de infraestrutura de transporte (2017-2018 biênio)1. O país está posicionado atrás dos outros países do BRICS. 

Muitos são os que militam, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela redução do “custo de Brasil”. Dentre as reivindicações estão: a melhoria da infraestrutura, sobretudo dos portos, a redução da carga tributária, a desburocratização etc. Soma-se a esses entraves, a baixa taxa de investimento no país, 17,6% do PIB nos últimos 10 anos, enquanto na América Latina como um todo, a média é 23%. 

No Brasil, o sistema de transporte apresenta níveis desiguais na operação dos modais de transporte. A consequência é o uso intensivo do modal rodoviário para o transporte de carga, apesar dos 8.500 km de litoral e dos 41.635 km de rios navegáveis. Desejando minimizar os efeitos negativos dos gargalos logísticos para a economia, o governo federal nas últimas décadas implementou algumas iniciativas. Dentre elas, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), criado em 2007, incluindo um setor responsável pela logística de transportes.

O Programa de Investimentos em Logística (PIL), criado em 2012, visava aumentar os investimentos em infraestrutura logística, instrumentalizados por meio de concessões ou financiamentos diretos, através entidades públicas ou privadas.
Em 2013, foi lançada a nova reforma portuária com o objetivo de incentivar a participação do capital privado em projetos de infraestrutura. A nova lei regula a exploração pelo Governo Federal, direta ou indiretamente, de portos e instalações portuárias, e atividades realizadas por operadores portuários. Destaca-se, a possibilidade de exploração indireta dos portos e das instalações portuárias por meio de concessão e a exploração de instalações portuárias fora da área portuária por meio de autorização. Em 2014, foi publicado o regulamento SEP/PR nº 03 que institucionalizou o Plano Nacional de Logística Portuária - PNLP. Em 2015, após 3 anos do anúncio do PIL, apenas 3 das 50 zonas planejadas para concessão foram licitadas, todas localizadas no porto de Santos. Segundo especialistas, o programa não produziu os resultados esperados. 

O PIL foi descontinuado no governo do Presidente Michel Temer e os projetos passaram a constituir o portfólio dos programas Avançar e Avançar Parceria. O programa Avançar destina-se a obras públicas, enquanto o programa Avançar Parceria ou Programa de Parceria de Investimento (PPI) inclui contratos de parceria entre o governo e a iniciativa privada e outras medidas de privatização. Desde maio de 2016, no lançamento do programa de concessões, 22 terminais foram concedidos ao setor privado. Seis outros terminais portuários, qualificados de acordo com o PPI, estarão sujeitos a processo de licitação em 2019, mais precisamente no dia 5 de abril. São áreas localizadas no Estado do Pará (Porto de Belém e Porto de Vila do Conde).

O desempenho do Arco Norte e o comércio de grãos 
De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), de 2010 a 2017, houve um aumento de 22,7% na movimentação dos portos públicos (37); 32,9% em terminais privados (144); produzindo um crescimento total de 29,3% no período. Parte do crescimento observado no setor portuário brasileiro pode ser explicado pelo bom desempenho dos portos do Arco Norte (uma linha imaginária que cruza o território brasileiro no Paralelo 16° Sul). Os principais portos agroalimentares que compõem essa porção geográfica do Brasil são Itacoatiara (Amazônia), Santarém e Barcarena (Pará), Santana (Amapá), São Luís (Maranhão), Salvador e Ilhéus (Bahia). Eles fornecem a menor distância entre áreas de produção agrícola (Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia) e portos de exportação. A movimentação de grãos aumentou 80% em 2017 em seis portos do Arco Norte: terminais privados de Barbacena, Miritituba, Santarém (Pará) e Itacotiara (Amazonas); terminais públicos de Porto Velho (Roraima) e Itaqui (Maranhão). 

O mercado de exportação de soja e milho registrou novos entrantes em 2017, o que aumentou a concorrência e reduziu as margens. O terminal de grãos do Maranhão (Tegram) no porto de Itaqui é destino de investimentos internacionais. A joint venture entre a Louis Dreyfus Company (LDC), Amaggi e a japonesa Zen-Noh Grain opera um dos quatro armazéns do Tegram. Os outros três armazéns são operados pela Glencore, NovaAgri e CGG Trading.

A americana Cargill, maior empresa de agronegócios do mundo, avançou para aumentar sua competitividade nos portos brasileiros, comprando outro terminal de grãos no porto de Santos - em consórcio com a LDC. A empresa terminou a ano de 2017 como a segunda maior exportadora de soja e milho do Brasil, atrás apenas da Bunge, segundo a agência de navegação Williams, com 12 milhões de toneladas e 39% de crescimento ao ano. A Bunge está presente, em todas as quatro regiões do país que margeiam o Atlântico, nos portos de Rio Grande, São Francisco do Sul, Paranaguá, Santos, Vitória, Salvador, São Luís e Itacoatiara. 

O terminal Tiplam, localizado no porto de Santos, da empresa VLI (organizada em forma de holding - Vale (37,6%), Brookfield (26,5%), Mitsui (20%) e FI-FGTS (15, 9%), realizou investimentos na ordem de R$ 2,7 bilhões. Em 2018, sua capacidade de movimentação passou a ser de 14,5 milhões de t por ano, (9,5 milhões de t para grãos e açúcar e 5 milhões de t para a importação de fertilizantes, enxofre e demais produtos).

Projetos portuários 

Os portos privados (TUP) no Brasil são responsáveis por 88% da movimentação de granéis líquidos, 80 a 90% dos minerais e 40% dos produtos agrícolas. Assim, dois terços do tráfego nacional brasileiro passam pelos TUPs. Assim, listamos abaixo alguns dos projetos privados de maior repercussão no setor. 

O Porto Central é uma joint venture entre o porto de Roterdã e a empresa brasileira de logística TPK. O projeto foi autorizado e o valor estimado das instalações está orçado em aproximadamente R$ 2,3 bilhões. Localizado no sul do Estado do Espírito Santo, é projetado para ser um complexo portuário industrial multifuncional em águas profundas, atendendo a diferentes tipos de indústrias, como petróleo e gás, energia, abastecimento marítimo, contêineres, mercadorias em geral, agronegócio, minas... 
O porto de São Mateus também está localizado no Estado do Espírito Santo, e é controlado pela empresa Petrocity Portos. O porto de águas profundas está em processo de autorização e está programado para operar a partir de 2021. O projeto está orçado em R$ 2,1 bilhões. O terminal era destinado exclusivamente ao setor de petróleo e gás, mas o projeto foi reestruturado e passa a incluir terminais especializados no transporte de veículos e pedras ornamentais. 

O Porto do Pecém, inaugurado em 2002, é um terminal off-shore com até 17,5 m de profundidade a uma distância de 2 km da costa. O terminal atingiu, em 2018, uma movimentação de 17,2 milhões de toneladas, o que representa um crescimento de 9%. Como parte do plano de modernização e expansão das atividades industriais e portuárias, a autoridade portuária CIPP S.A, responsável pela gestão ZIP, vendeu 30% (R$ 323 milhões) de sua participação para o Porto de Roterdã, passando a compor a gestão do complexo. 

Localizado no município de São João da Barra, Rio de Janeiro, o Porto de Açu possui uma área total de 130 km quadrados, 17 km de cais e uma profundidade que pode chegar a 25 m. Conta com 9 terminais divididos em áreas off-shore e on-shore. Em funcionamento desde 2014, o empreendimento é fruto de uma parceria entre a empresa Prumo e o Porto de Antuérpia Internacional (PAI).  

Na esfera pública, o Porto de Santos destaca-se com dois audaciosos projetos. O porto de Santos (131,5 milhões de ton) representando um terço do tráfego nacional. No curto prazo, o tráfego ainda pode aumentar em 100 Mt, com o apoio do projeto de dragagem Santos 17, que objetiva adequar o calado aos grandes porta-contêineres. Outro grande projeto é o Santosvlakte que pretende expandir a área do porto com a construção de um terminal em águas profundas na costa de Guarujá.

*Artigo: Paul TOURRET, Igor PONTES, Camilla PISANO 
Trabalho publicado originalmente no Instituto Superior de Economia Marítima (ISEMAR - Institut Supérieur d'Economie Maritime Nantes - Saint-Nazaire)
Janvier 2019 – ISSN : 1282-3910 – dépôt légal : mois en cours
Directeur de la rédaction : Paul Tourret – ISEMAR (droits réservés) https://www.isemar.fr/


 

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