Mar à vista!

Quem conhece minhas origens reconhece a conexão que tenho com o mar. O mar tem uma relação profunda com a língua portuguesa, que foi uma das primeiras línguas a ser difundida pelo mundo e está atualmente unida, em grande parte, pelo Atlântico. É o mar que liga Lisboa, Maputo, Ilha Terceira, Lobito, Praia, Macau e Fortaleza.

Recentemente, tive a oportunidade de participar de algumas reuniões em Portugal e no Brasil sobre questões relacionadas à economia do mar e à necessidade urgente de pensar o estado do Ceará nesse contexto. Trabalho de grande relevo vem sendo realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará - FIEC, que recentemente produziu uma rota estratégica sobre o tema, proporcionando uma nova perspectiva sobre a expressiva faixa litorânea cearense. O município de Fortaleza realizou um exercício semelhante em seu plano intitulado "Fortaleza 2040"; e espero que o governo do Estado faça o mesmo no seu plano denominado "Ceará 2050". Em uma época de ciclos evolutivos cada vez menores, não devemos ver as datas distantes de 2040 ou 2050 como marcos de uma agenda de ação, mas apenas como objetivos propostos por lideranças de vanguarda para induzir o pensamento disruptivo: pensar além para agir hoje à frente do nosso tempo.

A agenda portuguesa que, na minha opinião, é um bom exemplo das melhores práticas mundiais, trata o mar como uma prioridade nacional. Apesar da enorme diferença de tamanho entre Portugal e o Brasil, a Zona Econômica Exclusiva - a ZEE do primeiro é quase a metade da brasileira. Para ter uma melhor ideia do que isso significa, Portugal tem a terceira maior Zona Econômica Exclusiva na União Europeia e a 11ª no mundo. Em Portugal, os formadores de políticas falam de crescimento azul e hypercluster da economia marítima, referindo-se a uma variedade de temas, incluindo portos, turismo, pesca, energia, biotecnologia, defesa e segurança, dentre outros.

Este ano, Lisboa inaugurou o seu novo terminal de cruzeiros no rio Tejo, implementando os princípios descritos acima. Estima-se que, até 2018, a cidade receberá 361 navios de cruzeiro, o que implica um tráfego de mais de 617 mil passageiros. O terminal tem capacidade para receber até 1,8 milhão de pessoas. Todo esse tráfego assegurará que o mar - o vizinho gigante de Portugal - continuará gerando receitas de turismo e outros benefícios para este país compacto.

Parece-me apropriado, portanto, olhar para Portugal como inspiração, na medida em que procuramos articular uma agenda sobre questões marítimas para o Estado do Ceará. Esta abordagem é ainda mais adequada quando consideramos os custos de transação, mais baixos, resultado do uso comum da língua portuguesa, o que facilita a troca de experiências. A Câmara de Comércio Brasil-Portugal no Ceará está apostando que esta vantagem competitiva permitirá que os dois parceiros, Portugal e Ceará, tornem-se agentes privilegiados na eventual conclusão de um acordo comercial em 2018 entre a União Europeia e o Mercosul.

O Ceará deve olhar para o mar e, com isso, adicionar novos vetores de desenvolvimento à sua economia. A costa extrema do nordeste do Brasil é a rota através da qual os navios passam e prosseguem em sua viagem do norte ao sul deste cone americano austral. Os navios que navegam da África do Sul para os Estados Unidos também passam pela costa do Ceará. Mais recentemente, cabos de fibra ótica vêm de todos os lados do Atlântico, estão conectados a Fortaleza e daqui para outros pontos na América do Sul.

Os Portos de Pecém e Mucuripe estão conectados à Europa, América e Extremo Oriente, embarcando chapas de aço, sapatos, peles, castanhas de caju, peixe e frutas e descarregando minério, carvão, gás e cereais para abastecer o setor industrial local. Além disso, o Mucuripe recebe anualmente, mesmo nos cenários de crise mais conservadores, quase 20 mil turistas estrangeiros através de seu terminal de passageiros. As recentes articulações do Pecém para uma parceria internacional e a dragagem do Porto do Mucuripe que permitirá que um novo cais multifuncional seja concluído até fins de 2018, são notícias de grande significado para este estado que se propõe a ser um hub logístico.

Mas junto com essas notícias positivas seria estratégica a existência de um melhor entendimento sobre as complementariedades desses dois portos. A indústria do Ceará precisa de ambos, hoje e amanhã. Foi para isso que os governantes estaduais e federais investiram - e investem - algumas centenas de milhões de reais construindo um arco metropolitano ligando literalmente os portos no Mucuripe e no Pecém. Entre os dois se instalou um corredor industrial que inclui um polo de alimentos no Mucuripe; de combustíveis, derivados e dados (Angola Cables) na Praia do Futuro; de saúde no Eusébio e uma sequencia de dois distritos industriais interligando Maracanau, Caucaia e São Gonçalo do Amarante e cujas apostas nos setores metalomecânicos e de processamento de exportações têm sido exitosas.

A Zona de Processamento de Exportação do Ceará - ZPE criou uma impressionante variedade de oportunidades para o Ceará. Esta ZPE não foi apenas a primeira operação desse tipo no Brasil, mas continua a ser a maior em termos operacionais e territoriais. A sua localização, adjacente ao Porto de Pecém, torna este território - isento de impostos - num espaço aduaneiro valioso quando se formula uma política de incentivo ao intercâmbio entre o Brasil e outros países do hemisfério norte e sul. O compromisso recentemente assinado em Tenerife pela ZPE Ceará e outras Zonas Francas durante a XXI Conferência das Zonas Francas das Américas fortalecerá o corredor atlântico que liga os dois lados e nos fornecerá mais um exemplo do potencial do território para melhorar o nosso comércio global.

Não menos importante, nossa indústria pesqueira tem tradição exportadora com grandes oportunidades na recente introdução da pesca do atum na nossa costa; e o turismo tem pontos fortes ligados ao ecossistema singular de dunas, praias com águas quentes e fortes ventos, ideais para o kite, o surf e o windsurf. E assim por diante...

Para aproveitar os benefícios acima mencionados, é necessário agir e evoluir, por exemplo, criando um plano de vocações. Os estudos para o Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE que foram iniciados há alguns anos pelo Governo do Estado do Ceará devem ser concluídos e o ZEE legalmente aprovado de modo que tenhamos, por um lado, claramente definidas as zonas costeiras a serem conservadas e, por outro, a identificação daquelas que são passíveis de uso econômico sustentável por indústrias de energia e turismo, por exemplo. Tais definições contribuirão para o desenvolvimento das indústrias baseadas na economia costeira, que atualmente sofrem com a falta de regras claras. Da mesma forma, acredito que seria pertinente investir no desenvolvimento do turismo náutico e investir em segurança para atrair pelo menos uma fração das centenas de embarcações civis e de turismo que atravessam nossa costa.

Creio que o Ceará pode assumir, como ouvi em Portugal, um papel de liderança brasileira no aproveitamento da economia do mar graças às vantagens geográficas e econômicas que detém. A soma das qualidades que descrevi acima abre imensas oportunidades para o Estado do Ceará. Entretanto, aproveitá-las exigirá disciplina e uma agenda pública e privada concertada pelo menos para os próximos 5 anos.

Para concluir, recordo as palavras dos antigos navegadores, imortalizadas pelo grande poeta da Língua Portuguesa, Fernando Pessoa: navigare necesse est, vivere non est necese.

Fonte: Rômulo Alexandre em 06.12.17

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